Testemunho de António S. Carvalho Fernandes

“Simples e afável, com um sorriso oferecia a sua disponibilidade, era a simpatia imediata que provocava. Nunca liderou mas teve uma geração que o seguiu, e o seu exemplo marcou uma época.”


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Nasceu há 90 anos. Falava-nos muito do seu Liceu Camões onde ensinava matemática aos seus colegas; duas paixões que marcaram a sua vida: ensino e matemática.

Simples e afável, com um sorriso oferecia a sua disponibilidade, era a simpatia imediata que provocava.

Nunca liderou mas teve uma geração que o seguiu, e o seu exemplo marcou uma época.

Delicado e sensível, solitário, filósofo, desinteressado dos bens materiais, dedicou a sua vida à ciência, ao ensino e à família. Nos anos 90 dizia-se estruturalista, tinha a necessidade absoluta da lucidez. Era a sua força.

Muito culto, inteligente, analítico da física e da natureza humana, usava a matemática para desenvolver conceitos e uma belíssima prosa para as suas sínteses: direta, rápida, claríssima. Por vezes parecia poesia.

Foi meu professor mas já o conhecia do concurso para professor catedrático, em 56. Ganhou para a cátedra de Telecomunicações, tendo-se então aberto a de Eletrónica para o meu pai.

Marcou uma época porque conjeturou, lançou bases e protagonizou as carreiras científicas que a universidade precisava para se comprovar. O desenvolvimento industrial dos anos 60 apenas emprestara competências às duas grandes escolas de Engenharia, mas a internacionalização da nossa indústria, para ser sustentável, precisava de centros dinâmicos de conhecimento: convergência, divulgação e criação. Foi a sua visão da ciência como fonte do desenvolvimento tecnológico que o motivou, revendo-se ele na ciência mais que na tecnologia.

A nova época tomou-o como exemplo. Da revolução emergiu uma nova universidade onde a legislação de 1980 traçou o paradigma. Carreiras científicas em dedicação exclusiva ocuparam o crescimento universitário, substituindo os especialistas da indústria. A sua solidez e dedicação foram a referência para essa geração.

Hoje sabemos que se exagerou e que a tecnologia deve ocupar mais espaço, mas isso não tem a ver com ele.

Convidou-me, orientou a acompanhou o meu trabalho ao longo de 30 anos. Foi um guia e um amigo, uma referência de vida. Um dia de novembro de 99 encontrei-o diferente, sabia que estava doente, quis-lhe falar mas desculpou-se e foi para casa, ali ao pé do Técnico. Telefonei-lhe para o visitar, não me deixou. Morreu uns dias depois. Ninguém sabia de quê, poupou-nos aos seus males, assim era a sua amizade.

Pela sua pena, agradecendo à Secção de Propagação e Radiação: ” … alguém que, até hoje, tem sido infinitamente grato a quem lhe deu um pouco de atenção e compreensão (…) rigor, fonte inesgotável de não esquecimento”.

António Carvalho Fernandes