Testemunho de Fernanda Ramalhoto

“Na minha opinião o Professor Abreu Faro compreendeu na altura melhor do que muitos que a Matemática (para além da Física) era crucial para o desenvolvimento da Moderna Engenharia.”

Júri de Doutoramento de Fernanda Ramalhoto

Júri de Agregação de Fernanda Ramalhoto

Introdução

Quando terminei a licenciatura em Matemática na Faculdade de Ciências  da Universidade de Lisboa tive como primeiro emprego o de Técnica Superior nos CTT (Serviços de Compras e Armazéns, 1967-1972, localizados em frente ao IST, na hoje Rua Alves Redol). Os outros Técnicos Superiores eram Economistas e Engenheiros. Durante esse período integrei o primeiro Grupo de Investigação Operacional em Portugal, que agregava as chefias das principais empresas e instituiçőes da altura (CTT, CUF, TAP, Metropolitano de Lisboa, LNEC, etc.). Tal deu-me acesso à cultura empresarial da altura, que me fascinou principalmente pela sua abertura e visão estratégica mesmo sob o ponto de vista das metodologias existentes. Recordo que em Portugal a Universidade de então praticamente ignorava a Investigação Operacional e a Estatística estava a dar os primeiros passos. Esta cultura de verdadeira formação profissional existia também entre os funcionários não licenciados, e era decisiva nos concursos para progressão na carreira. Aliás, foi por indicação de alguns Engenheiros dos CTT (a quem eu dava um curso de formação iniciação à estatística para realizarmos amostragem e cartas de controlo) que entrei no IST. Acumulando de 1968 a 1972 (a 100% em ambos) as funções de Assistente no IST e Técnica Superior nos CTT. Em 1968 era Director do IST o Professor Alves, eficiente e afável que recordo com saudade (cuja porta do gabinete estava sempre aberta com simpatia para ouvir e ajudar qualquer docente). Recordo também o Professor Fraústo da Silva que me proporcionou a ida para doutoramento na Universidade de Londres (University College London, UCL). A cultura académica no IST era muito diferente da cultura empresarial dos CTT mas igualmente construtiva e cordial.

Quando cheguei em 1977 ao IST com o doutoramento da UCL em Estatística a cultura académica tinha mudado muito (as pessoas que eu conhecia estavam todas zangadas umas com as outras, sem eu perceber a verdadeira razão). E também eu tinha mudado devido à  influência da cultura académica anglo-saxónica, conforme pode ser apreciado através do meu artigo no livro ´A Book for Dennis – To Dennis Lindley in celebration of his 90th birthday, 25th July, 2013`, Editor Tony O´Hagan, Blurb Inc., 2013, 111-117.

Como o Professor Abreu Faro marcou a minha vida

Conheci mais de perto o Professor Abreu Faro quando regressei do doutoramento. E fiquei fascinada e contagiada pelo seu entusiasmo pela ESCOLA (como ele gostava de chamar o IST). O diálogo com ele foi sempre construtivo, cordial, verdadeiro e estimulante. Foi em grande parte por sua influência, directa e indirecta, que a partir de 1978, tomei parte activa nas muitas actividades de transformação do IST na altura (Comissão de Reestruturação Departamental, de Reestruturação Curricular, de Aprovação dos Estatutos do IST, Vogal da Comissão Coordenadora do Conselho Científico 1981-1982, Vogal do Conselho Directivo 1987-1988, Coordenadora do Programa ERASMUS no IST 1987-1990, Presidente do ´2nd European Forum for Continuing Engineering Education – International Cooperation between Industry and Academia` IST Abril 28-30, 1992, entre outras).

Qual a importância que teve para a afirmação da ciência em Portugal

Na minha opinião o Professor Abreu Faro compreendeu na altura melhor do que muitos que a Matemática (para além da Física) era crucial para o desenvolvimento da Moderna Engenharia. Recordo conversas inspiradoras que várias vezes tivemos sobre este assunto, antes  e depois da minha Agregação em 1986 (ver foto com os membros do Júri, Professores Abreu Faro, Campos Ferreira, Murteira, Braumann, Neuts, Syski, e Vice-Reitor Presidente). Nomeadamente sobre os trabalhos de um dos mais famosos professores do MIT, Norberto Wiener. O homem da cibernética e do conhecimento integrado ou transdisciplinar que influenciou a ciência no mundo actual, e que tem inspirado o meu interesse pelo corpo de conhecimento transdisciplinar ´Stochastics Science & Engineering`.

O que o distinguia dos outros

Penso que ele contribuíu muito para a construção da Identidade Técnico – a ESCOLA - através de uma comunhão de afectos e ideais nas várias áreas do conhecimento científico e tecnológico (conversámos muito sobre isto principalmente aquando da criação pioneira da “Reestruturação Departamental do IST” baseada nas escolas anglo-saxónicas, de raíz cultural quase oposta à nossa, e dos perigos de excessivo isolamento entre os novos departamentos que tal estrutura poderia acarretar).  Ele compreendeu como poucos que “Querendo quero o infinito fazendo nada é verdade” pode significar também “Ter ousadia para sonhar até ao infinito e inteligência para suportar as correspondentes adversidades”. O que pode ser uma boa mensagem para os dias sombrios que hoje estamos outra vez a viver coletivamente, se nos lembrarmos dos ensinamentos de Popper ´No one can predict the direction of scientific discovery and its technological application`.